Stranhas novas bactérias encontradas em moscas de areia da Amazônia: podem se espalhar para os humanos?

Uma nova espécie de bactéria do gênero Bartonella foi encontrada no Parque Nacional da Amazônia, no estado do Pará, Brasil, em insetos flebotomíneos, também conhecidos como mosquitos da areia. Este tipo de inseto é geralmente associado à transmissão da leishmaniose, mas, de acordo com os pesquisadores, o DNA do microorganismo recém-descoberto é semelhante ao de duas outras espécies andinas de bactérias, B. bacilliformis e B. ancashensis. Essas bactérias causam a doença de Carrión (também conhecida como verruga peruana e febre de Oroya) e são transmitidas por mosquitos flebotomíneos.
Atualmente, não há evidências no Brasil de que essa nova espécie de bactéria possa causar doenças. No entanto, como espécies do gênero Bartonella são responsáveis por várias doenças em outros países, são necessários mais estudos.
A pesquisa foi conduzida por Marcos Rogério André em parceria com Eunice Aparecida Bianchi Galati. Ambos os pesquisadores estão afiliados a instituições brasileiras: à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV-UNESP) no campus de Jaboticabal e à Escola de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). O estudo foi apoiado pela FAPESP por meio de dois projetos (22/08543-2 e 22/16085-4).
Foi publicado na revista científica Acta Tropica e contou com a participação dos pesquisadores Paulo Vitor Cadina Arantes, Israel de Souza Pinto, Daniel Antônio Braga Lee, Anna Cláudia Baumel Mongruel e Rosângela Zacarias Machado.
O que é a doença?
A bartonelose é um termo que se refere a um grupo de doenças causadas por bactérias do gênero Bartonella. Essas bactérias são transmitidas por diversos vetores. Além dos mosquitos da areia, podem ser transmitidas por pulgas e piolhos.
Os sintomas geralmente incluem infecções que demoram a se resolver tanto em humanos quanto em animais. Essas bactérias podem permanecer no corpo por longos períodos sem serem detectadas, prejudicando pacientes com problemas imunológicos preexistentes.
“A bartonelose é uma doença negligenciada. A doença mais conhecida pelos profissionais de saúde é a doença do arranhão do gato, causada por Bartonella henselae. É importante entender a verdadeira prevalência dessas doenças, especialmente em regiões isoladas com baixos índices de desenvolvimento humano, onde as populações não têm fácil acesso a serviços de saúde,” explica André.
O objetivo do estudo foi investigar a presença do DNA de Bartonella spp. em 297 espécimes de mosquitos flebotomíneos fêmeas (Diptera: Psychodidae) coletados no Parque Nacional da Amazônia, no estado do Pará. “Este parque tem cavernas e recebe muitos visitantes, portanto, é importante estudá-lo,” diz o pesquisador.
Os mosquitos flebotomíneos foram coletados entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023. A cada mês, os pesquisadores coletaram amostras ao longo de duas trilhas próximas às margens dos rios Uruá e Tracoá, que estão localizados dentro da unidade de conservação.
“A descoberta de espécies de Bartonella em mosquitos flebotomíneos aqui no Brasil pode indicar que B. bacilliformis e B. ancashensis, que causam a doença de Carrión ou verruga peruana, podem se adaptar a espécies não andinas e ser transmitidas em áreas fora dos Andes. Isso não é uma grande extrapolação, já que duas espécies que foram identificadas como vetores de B. bacilliformis, Pintomyia robusta e Pintomyia maranonensis no Peru, são muito similares a espécies encontradas no Brasil, a saber, Pintomyia serrana e Pintomyia nevesi,” explica Galati.
Nos últimos anos, o grupo tem estudado a diversidade de bactérias encontradas nesse gênero e as doenças que causam tanto em humanos quanto em animais. Segundo os cientistas, as sequências encontradas na Amazônia diferem das encontradas no Peru; no entanto, os resultados corroboram dados coletados em um estudo anterior.
De acordo com André, este segundo artigo do grupo de pesquisa confirma evidências encontradas em estudos anteriores, como a descoberta de novas espécies de Bartonella no Acre, outro estado brasileiro na região amazônica. Portanto, eles decidiram expandir a investigação e analisar amostras do Pará e de outros locais.
“Estamos detectando uma cepa aqui no Brasil que nunca foi descrita e é muito semelhante a duas espécies do gênero Bartonella que causam doenças em países andinos. Apesar dessa semelhança, ainda não temos informações sobre se pode causar doenças com sintomas distintos. Por isso, precisamos estudá-las mais,” enfatiza o professor.
Para continuar mapeando os insetos e as bactérias com as quais eles podem estar infectados, os pesquisadores estão coletando amostras em diversos biomas.
“Os próximos passos são continuar as investigações envolvendo mais populações de mosquitos flebotomíneos e outros dípteros de diferentes biomas em busca dessas cepas, assim como buscar por outras cepas,” diz Galati.
Segundo a pesquisadora, o próximo passo seria investigar em quais animais esses insetos se alimentam para encontrar “reservatórios.”
“Eu tenho um projeto financiado pela FAPESP em que consegui armazenar muitos espécimes de mosquitos flebotomíneos da Mata Atlântica de São Paulo, e a ideia é explorar esse material em parceria com o professor André,” revela Galati.
Embora os resultados sejam preliminares, o projeto ajudou os pesquisadores a descobrir a possibilidade de encontrar agentes de doenças que ainda não haviam sido detectados.
Segundo André, como essa é uma nova descoberta, seria benéfico que médicos e pesquisadores colaborassem na investigação desse grupo de bactérias em indivíduos com febre de etiologia desconhecida.
“Poderiam as pessoas com febre que muitas vezes são enviadas para casa e que têm episódios repetidos de febre estar infectadas com esse patógeno? Poderiam pacientes com Leishmania também estar co-infectados com essa nova espécie de Bartonella?” questiona o professor.