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Protesto da Igreja Refletido no Clamor dos Pobres

Protesto da Igreja Refletido no Clamor dos Pobres

Os europeus não estão a priorizar o clima da mesma forma que há alguns anos. Estará a surgir uma nova mobilização da sociedade civil em relação ao clima?

Certamente. A sociedade civil e os governos estão conscientes de que a crise climática é parte do nosso cotidiano. Estamos a enfrentar ondas de calor, falta de água, entre outros problemas. Considerando que a situação pode piorar, é justificável a nossa preocupação. Esses fenômenos estão ligados a conflitos e tensões que observamos nos noticiários, frequentemente associados ao acesso a recursos naturais como a água. Aumentam também os conflitos e as migrações devido às alterações climáticas. A situação está a agravar-se, passo a passo.

Isso me leva a crer que todas as organizações e governos que elevam as alterações climáticas a prioridade estão também a contribuir para combater a fome, a pobreza e a promover uma vida digna para as pessoas em seus lares. E, portanto, essas interligações são cruciais. O Papa Francisco, com sua encíclica “Laudato Si”, buscou demonstrar que os conflitos sociais, a paz e o meio ambiente estão interligados.

Essa temática está presente na agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que criamos. Percebemos que todas essas questões estão interconectadas, tanto dentro quanto fora da Igreja. É um desafio que precisamos ter coragem de enfrentar, conectando a exploração petrolífera, por exemplo, às alterações climáticas, e reconhecendo que as mudanças climáticas estão ligadas à migração. Precisamos aprender e desenvolver políticas mais eficazes.

Não podemos permitir que os governos tomem decisões prejudiciais aos pobres. Este é um momento em que a Igreja precisa se manifestar.

Acha que os líderes da Igreja, bispos e outros, estão se pronunciando com força suficiente sobre a situação?

Em relação à justiça climática e às alterações climáticas, sim. O Papa Francisco gerou um impulso que propiciou um espaço de ensino católico em que os bispos podem realmente se envolver nesta questão crucial. Por exemplo, os bispos da África, Ásia e América Latina emitiram uma declaração forte sobre a COP30 em Belém este ano, endereçada ao Secretário-Geral da ONU, encorajando-o a reunir os chefes de Estado para tomar decisões mais ousadas e ambiciosas. Sinto que a Igreja está se fortalecendo em relação às alterações climáticas.

Por outro lado, me decepciona a falta de um protesto mais forte da Igreja em resposta ao clamor dos pobres, como mencionou o Papa Francisco, especialmente com os cortes na ajuda ao desenvolvimento. A fraternidade, o amor ao próximo e a solidariedade são valores fundamentais para os cristãos. Não podemos deixar que os governos adotem decisões prejudiciais aos pobres. Este é um momento em que a Igreja deve se pronunciar, e espero que ela faça isso de forma mais contundente, assim como faz em relação às alterações climáticas.

Está se referindo aos bispos europeus, à Santa Sé ou ao Papa?

Espero que todos tenham reconhecido o choque dos cortes assistidos de país para país. Desejo que as conferências episcopais europeias se manifestem cada vez mais. Espero também que o Santo Padre aborde essa questão com mais ênfase no futuro. Além disso, almejo que o Papa Leão XIV adote a visão holística do Papa Francisco, abordando a pobreza, a injustiça social e a injustiça ambiental. Espero que ele aceite o convite dos bispos brasileiros para participar da COP30.

As COP climáticas sempre geram grande expectativa. O que espera da COP30? O processo de decisão climática da ONU está em crise?

O processo da ONU é moroso, pois envolve todos os países do planeta, incluindo os produtores de petróleo, que têm pouco interesse em agir rapidamente. Eles tentam proteger seus principais negócios. Além disso, muitos governos frequentemente ocultam dos cidadãos a quantidade de subsídios ainda destinados à indústria dos combustíveis fósseis. Relatórios da Climate Action Network e de outras organizações documentam esses subsídios de maneira detalhada. Portanto, o progresso é lento, em grande parte devido aos interesses de certos governos. A situação foi ainda mais complicada pelas últimas três COP terem ocorrido em países produtores de petróleo, o que atrasa as negociações.

O Brasil também possui uma indústria petrolífera.

Sim, e também enfrenta o desmatamento da floresta tropical. No entanto, parece que o governo brasileiro está realmente se esforçando para avançar e aumentar a ambição. Além disso, é importante para nós, enquanto organizações de desenvolvimento, que eles estejam ouvindo os povos indígenas e as comunidades que já sofrem com as alterações climáticas, mas que também têm soluções alternativas.

O que vai acontecer em Belém será empolgante, pois não haverá apenas negociações governamentais; veremos uma grande mobilização da sociedade civil e popular, conhecida como Cimeira dos Povos. Paralelamente às negociações oficiais, milhares de pessoas se reunirão em Belém para protestar, participar de workshops, conferências e apresentar suas próprias propostas. Fico satisfeito em ver que a Igreja Católica está apoiando essa mobilização e que a Igreja Católica do Brasil organizou workshops e conferências em todo o país para se preparar para a COP30.

Acredito que o povo brasileiro está bem preparado para receber todos esses governos. Portanto, sim, sinto que esta COP pode ser uma fonte de esperança e mudança, especialmente porque todos reconhecemos a atual crise climática e notamos um progresso lento. Espero que Belém se torne um ponto de inflexão para negociações mais ágeis.

Não acredito que conseguiremos tudo o que desejamos em Belém, mas creio que pode ser um momento de transformação. A partir daí, as coisas podem avançar de modo mais eficiente.

Embora o foco esteja sempre na Europa, a CIDSE também inclui ONGs norte-americanas. Como vê a situação atualmente do outro lado do Atlântico?

Temos membros dos EUA e do Canadá. Nos EUA, a situação é devastadora e frustrante para a sociedade civil, que quase não tem acesso ao governo, que não os escuta. Os espaços a eles destinados estão diminuindo. Contudo, a sociedade civil nos EUA é resiliente; as pessoas estão se organizando. Durante a Assembleia Geral da ONU, as organizações da sociedade civil se reúnem para promover a ambição climática. Nem todos nos EUA estão satisfeitos com as atuais ações do governo. É um momento difícil e assustador para muitos.

Adicionalmente, as pessoas sentem medo de se expressar, por exemplo, nas redes sociais, pois isso pode impactar negativamente suas organizações e as liberdades pessoais.

Há receio de se expressar?

Sim, as pessoas têm medo, mas também demonstram coragem. Ouço relatos não apenas de desânimo, mas também de um forte movimento civil se organizando nos EUA. Acredito que utilizarão as próximas eleições para fomentar esse impulso. Muitos afirmam que o governo atual não os representa nem a todos os americanos. Precisamos lidar com a realidade deste governo. Mas não devemos perder a esperança de que o ambiente político possa mudar nos próximos anos.

Ao assumir a presidência da CIDSE, neste ano em que a organização completa 60 anos, qual é a grande prioridade a curto prazo para a CIDSE?

Nosso objetivo é envelhecer com qualidade. À semelhança de um bom vinho ou queijo, às vezes leva tempo para amadurecer…

A CIDSE trabalha de forma muito profissional. Iniciou com uma abordagem leiga, mas hoje está bem organizada, com equipes especializadas compostas por membros e especialistas. Temos prioridades significativas que abrangem tanto o Sul Global quanto o Norte Global, como segurança alimentar, alterações climáticas e direitos humanos. Essas são questões nas quais colaboramos e coordenamos nossos esforços de desenvolvimento para nos fortalecer. O grande desafio é que, à medida que os governos cortam a ajuda ao desenvolvimento e reduzem o apoio a ONGs e organizações de desenvolvimento como as membros da CIDSE, a rede também enfrentará redução de financiamento e apoio. Portanto, existe o risco de nos tornarmos mais fracos.

Por isso, precisamos unir forças, criar espaços para aprendizado mútuo e buscar eficiência mesmo diante da escassez de recursos. Além disso, acompanhar o que acontece em diferentes países e aprender com as experiências de cada membro é essencial. Por exemplo, diante de cortes governamentais, onde podemos encontrar novas fontes de financiamento? Como podemos comunicação com o público? Sinto que nosso aniversário ocorre em um momento desafiador, em meio a turbulências com conflitos e adversidades.

Entretanto, quando visito nossos programas na África, Ásia e América Latina, vejo pessoas maravilhosas fazendo mudanças concretas. Portanto, acredito que devemos também focar no excelente trabalho realizado pelas comunidades locais, e não apenas nas manchetes negativas que dominam a mídia. Na prática, muita coisa está acontecendo, e continuaremos a apoiar esse trabalho, que é o que a CIDSE pretende fazer no futuro.

Pat Pereira

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