Amadora

Do Nelo de Calções que Fugiu do Peixe: A História de Gilberto, o Peixeiro com 45 Anos de Experiência

Gilberto Simões, um peixeiro de 55 anos, está atento às mudanças na Amadora, especialmente na Damaia. Ele apoia qualquer iniciativa que vise revitalizar a economia local e melhorar a qualidade de vida dos moradores. Quando soube que a câmara iria reformar o antigo mercado da Damaia no próximo ano, sentiu-se satisfeito. No entanto, ao ver o projeto, permaneceu cético.

“A ideia é boa. Os mercados como os conhecíamos desapareceram: a população envelheceu, muitos faleceram, e os jovens preferem os supermercados, resultando em um número de clientes em declínio. Portanto, a proposta de revitalizar o mercado, oferecendo melhores condições aos comerciantes e incluindo uma escola de dança, pode ser interessante, pois atraíra um público mais jovem que talvez nunca tenha visitado o mercado. Enquanto os filhos estão nas aulas de dança, os pais podem fazer suas compras aqui”, explica à New in Amadora.

“Pode ser que funcione…”, diz ele, levantando a sobrancelha, mas expressando suas incertezas. A eficácia do projeto depende de sua implementação. No papel, parece um tanto estranho, mas pode ser promissor para a revitalização do mercado.

Gilberto é um dos dois peixeiros restantes no mercado da Damaia. Além dele, há uma loja de pão e as históricas bancas da Matilde, que está no mercado desde sua inauguração em 1965 e vende lá sozinha, sem a família, há seis anos.

“Toda a minha vida esteve ligada ao peixe. Estou aqui no mercado da Damaia há seis anos, desde que minha mãe faleceu, mas sou peixeiro desde os 10 anos. Sempre acompanhei meus pais. Eles tiveram uma banca na praça da Damaia de baixo, onde agora é a estação. Depois, mudaram-se para onde hoje é o tribunal e, por último, vieram para cá”, explica.

Gilberto é uma pessoa calorosa e sempre bem-humorada. Ele compartilha a história de sua vida com um sorriso. “Você gosta do que faz?”, perguntamos. “Hoje gosto. É a minha vida, não é?” “Mas, para ser sincero, não gostava nada disso de vender peixe [risos]. Eu fugia disso. Quem estava com a minha mãe era a minha irmã. Eu evitava o peixe, o cheiro me enjoava. Apenas fazia pequenas entregas para receber gorjetas”, conta, rindo e fazendo o gesto de dinheiro com os dedos polegar e indicador da mão esquerda.

“Eu preferia carne. Dizem que peixe ‘não puxa carroça’, não é? [risos]. Se alguém me oferecesse um bife com batatas fritas e ovo a cavalo, me conquistaria. Mas, claro, com dois pais peixeiros em casa, peixe não faltava. O que não vendíamos, precisávamos comer; não havia desperdício”, recorda.

Assim, de olhos semicerrados, comendo uma faneca que lhe lembrava um bife com molho e batatas fritas, a vida seguiu. O truque funcionou. “Hoje gosto de peixe. Adoro uma boa pescada cozida, peixe-espada branco, sardinha, carapau. Gosto de tudo isso. Mas os clientes estão sempre reclamando dos preços. Aliás, reclamam de tudo. Está tudo caríssimo: peixe, fruta, carne, mercearia”, observa.

Diariamente, Gilberto e sua colega de banca vão ao Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL) para escolher os produtos mais frescos. “Saio de casa por volta da meia-noite, chego aqui por volta das 3h30, tomo um banho e às seis e meia já estou no mercado até o horário do almoço”, relata. E não dorme?, perguntamos: “Durmo à tarde. Entrei nessa rotina. O corpo se acostuma. Durmo entre as duas e as seis da tarde, é suficiente”.

“O Euro destruiu isso”, diz o peixeiro. A crise dos últimos anos, as guerras e a inflação são fatores que afetam o nível de vida dos portugueses, mas Gilberto tem uma teoria mais antiga. “A transição do escudo para o euro [em 1992] prejudicou muita gente. Aqui na Damaia, a população é mais envelhecida. Tínhamos clientes que compravam três douradas e agora levam duas na melhor das hipóteses.”

O envelhecimento da população preocupa Gilberto. “Não vem público novo. Muitos nem sabem que há um mercado aqui. Não estão interessados. Durante o confinamento, ainda fiz entregas em casa e cheguei a criar um site, mas desisti disso, pois estou sozinho e não posso fazer nada além do habitual.”

O cheiro do peixe nunca o incomodou, nem mesmo na infância, quando andava de calções pela praça e todos o conheciam como Nelo. “Tenho clientes muito fiéis que me conhecem desde pequeno. Algumas pessoas ainda me chamam de Nelo. Desde que cresci e me tornei um homem, passei a ser conhecido como Gilberto”, ri.

Gilberto também é um “serralheiro civil de primeira”. “Trabalhei muito tempo em uma fábrica, mas quando ela fechou, consegui um emprego na Associação dos Amigos da Damaia, onde permaneci por 12 anos. Passava as manhãs aqui com a minha mãe e à tarde ia trabalhar lá”, diz.

Por mais tentativas que faça, o negócio do peixe já alcançou seu limite. “Os restaurantes são os que me ajudam. Eles representam 80% da minha renda. Ontem, por exemplo, tive três clientes aqui durante toda a manhã.”

Felizmente, os pais de Gilberto estão vivos. “Minha mãe tem 70 anos e meu pai, 72. Se você colocar minha mãe ao meu lado, pareceremos irmãos [riem]. Eles foram pais muito cedo, trabalharam muito e agora estão aposentados.”

O pequeno Nelo já tem um filho de 25 anos. “Ele também não quer nada a ver com peixe”, diz rindo. “Ele vem aqui tratar das faturas e da contabilidade, nem sequer gosta muito de peixe”. No entanto, faz uma exceção para “filetes de pescada com um arrozinho malandrinho”. No fundo, ele tem bom gosto, concordamos.

Carregue na galeria e veja Gilberto em ação.

Pat Pereira

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