Carla Chambel retorna ao Babilónia após 25 anos: “Isto continua a ter vida”
A ideia para esta reportagem surgiu há alguns meses durante uma refeição em um famoso restaurante alentejano na Amadora. “Há quanto tempo não visitas o Babilónia?”, pergunta a New in Amadora a Carla Chambel, 48 anos, atriz de cinema e novelas bastante conhecida pelos portugueses. “Há 25 anos, seguramente”, responde. “É uma boa altura para voltar ao centro comercial que fez as delícias dos moradores da Amadora nos anos 80 e 90”, sugerimos.
A atriz alinha, como sempre. Nascida e criada na Amadora, ela é uma defensora da inclusão de um concelho que abriga mais de 120 nacionalidades, sendo o Babilónia talvez o seu maior símbolo.
Inaugurado em 1984, o centro comercial é frequentemente descrito como “decrépito”, “perigoso” e “inseguro”, um reflexo do abandono que se alega ter atingido a Amadora. Discursos populistas que alimentam o preconceito, especialmente em tempos pré-eleitorais, como o presente.
Antes de tudo, é importante esclarecer: o Babilónia é um estabelecimento privado, e não público. A Câmara Municipal não pode simplesmente fechar o espaço apenas porque o tipo de comércio mudou em relação ao que existia há 30 anos. Durante a nossa visita, encontramos extintores, sinalização adequada e seguranças uniformizados patrulhando, além dos policiais do Pingo Doce.
Combinamos nos encontrar às 18 horas na entrada do Babilónia. O primeiro erro: qual porta? A que dá para a estação de comboios ou a que acessa pela Elias Garcia? Os telemóveis ajudam a resolver o equívoco. Carla estava de um lado, e a New in Amadora do outro. Nos reunimos, três minutos depois, no átrio principal.
“Não era aqui a croissanteria?”, pergunta Carla, após nos cumprimentarmos. Ela observa ao redor e acena com a cabeça. Semicerra os olhos, apura o nariz, mas não consegue sentir o aroma. “Ou era esta, ou aquela”, responde ao apontar para duas lojas que agora representam o novo normal do centro: um ponto de câmbio e uma loja de telemóveis e serviços rápidos.
“Os croissants eram tão bons. Ou talvez éramos nós que não estávamos tão habituados e os adorávamos. Se calhar, hoje seriam uma desilusão. Não, prefiro nem pensar nisso. Eram os melhores do mundo”, diz a atriz com um sorriso, acrescentando que adorava os de chocolate e os de doce de ovo. “Estavam sempre quentinhos”.
Um labirinto de sorrisos nos aguarda. Não há lojas remanescentes daquele tempo, mas não faltam sorrisos. A cada loja, a cada corredor estreito que passamos, a esmagadora maioria dos comerciantes é imigrante e está sempre pronta para nos acolher com um sorriso.
“Olá, boa tarde. Posso ajudar?”, pergunta um homem jovem, na casa dos 30 anos, à frente de um balcão de telemóveis. Após uma negativa, ele agradece e volta a sorrir. Continuamos pelo corredor. Mais uma, duas, cinco, dez lojas de telemóveis. Em todas, o mesmo comportamento: um sorriso e a pergunta: “em que posso ajudar?”. Em nada, obrigado, respondemos. E novamente, outro sorriso.
Carla saboreia cada momento da visita como se estivesse explorando um novo país distante. “Está tudo muito diferente, mas já notaste que não há uma loja vazia ou fechada? Estão todas ocupadas”, diz à New in Amadora. “Apesar de todo o preconceito, o Babilónia é um centro comercial de bairro, semelhante a muitos outros que sentiram o impacto da abertura das Amoreiras, do Colombo, do UBBO. As marcas fugiram para essas grandes superfícies. E, ao contrário de muitos centros comerciais de bairro que acabaram sucumbindo e foram demolidos, este não: soube renascer”.
Carla Chambel, que se prepara para estrear, a 25 de setembro, o filme “O Céu em Queda” e assumir a direção de atores em uma novela da TVI, afirma que “é profundamente injusto dizer que o Babilónia está decrépito, perigoso ou inseguro”.
“Continuamos, não sei quantos anos depois, a alimentar o preconceito relacionado ao tom de pele, à religião e às diferentes culturas. E é desse preconceito que cresce um discurso de ódio que rende votos”, afirmou à New in Amadora. E só há uma maneira de combater isso: “Falar sobre isso, denunciar e vir aqui ver com os próprios olhos”.
A atriz não hesita: “Aposto que a maior parte das pessoas que comentam nas redes sociais não entra aqui há anos, pois foram contagiadas pelo medo e pelo preconceito. É lamentável que assim seja. O Babilónia está vivo e oferece serviços às pessoas que o frequentam: conta com lojas especializadas que não existem em qualquer outro lugar”.
“Aqui existem lojas de cabelo natural que servem para confeccionar cabeleiras. E os profissionais do cinema e da televisão sabem disso e vêm aqui frequentemente, porque aqui encontram o tipo de material que é essencial para o nosso trabalho”, acrescenta.
Entretanto, avançamos e chegamos ao Instituto de Beleza Djane, um cabeleireiro e, ao mesmo tempo, um centro de confecção de cabeleiras com cabelo natural. Uma máquina de costura especial ainda está em destaque. Djane, a proprietária, olha para Carla Chambel. Explicamos que ela é atriz e pedimos para emprestar uma cabeleira apenas para tirar algumas fotos. Ela sorri e concorda. Aponta para uma cabeleira loira. Sugerimos a cor-de-rosa. “Pode ser também, mas a loira ficaria bem em você”, diz a comerciante.
Após testar as duas, acabamos por optar pela cor-de-rosa. “Fica bem em você”, diz Djane, a quem agradecemos pela simpatia e colaboração com a New in Amadora. “A primeira loja de cabeleiras naturais do Babilónia é a minha. Depois, surgiram outras, porque perceberam que o negócio funcionava, mas esta é de longe a mais importante e foi a pioneira”.
Carla Chambel tem uma memória que, essa sim, se mantém intacta. Ela olha para o primeiro andar e vê a ourivesaria Amaro. “Foi ali que fiz meu primeiro furo na orelha. Acho que foi por causa de um namorado”, ri. “Eu fiz em uma orelha e ele fez na outra.” Enquanto subimos as escadas, Carla conta à NiA que acredita que a filha do dono era sua colega de escola. “Ai, como é que ela se chama? Bem, também não sabemos se continuam sendo os mesmos senhores na loja.”
O embaraço dissipa-se em segundos ao entrarmos na loja. “Carla olha fixamente para a mulher que sai de trás do balcão. Ela esboça um sorriso cúmplice”. “Mónica”, exclama a atriz. “Carla”, responde a empresária. E se abraçam com um prazer quase infantil. “Eh pá, você está igual. Nós éramos colegas de escola”, explica Carla. Mónica apresenta o pai, que ainda é a alma da ourivesaria Amaro, e o filho de Mónica, que representa a terceira geração da família.
“Lembras-te que foi aqui que eu fiz meu primeiro furo na orelha? Claro, foi meu pai que te fez o furo, você era um pouquinho rebelde”, recorda entre risadas.
Mónica comenta que a loja tem resistido ao teste do tempo. “Há uma proximidade e confiança entre os nossos clientes de longa data. E, contrariamente ao que muitos dizem, não se vive qualquer sentimento de insegurança aqui dentro. O centro está sempre cheio, nunca está vazio, e não há lojas fechadas. Não sei se haverá muitos centros que possam afirmar o mesmo”, conclui.
Carregue na galeria e conheça o Babilónia e o passeio feito por Carla Chambel para a New in Amadora.