Cartadas Diárias para Enganar a Morte no Parque Central da Amadora
O que António, Abílio, Nélson, Cândido, Mário e Caetano têm em comum? Várias coisas. Todos têm mais de 65 anos, são reformados e partilham um passatempo favorito: jogar à sueca nos bancos do Parque Central da Amadora. Estão lá todos os dias, como costumam dizer, porque “não há muito mais para fazer”.
“E os passeios nos jardins, as excursões organizadas pelas juntas de freguesia, as atividades desportivas ao ar livre?”, perguntamos ao grupo de seniores que se juntou a nós para uma partida.
Nélson Rodrigues, de 82 anos, considerado por amigos como “o mais reguila da Amadora”, responde com seriedade: “Passeios no jardim? Estamos aqui no Parque Central, fazemos excursões todos os dias e passamos a vida em atividades desportivas ao ar livre, a levantar a mini”, afirma com um sorriso travesso.
Uma risada geral surge. Abílio, com 86 anos, declara que jogar à sueca é o seu passatempo predileto. “Pudera, é com cada batota”, replica um companheiro. “Confesso que só não faço batota se não puder”, admite Abílio.
Todos os dias são semelhantes na área resguardada do Parque Central, onde cabem sete ou oito mesas com bancos corridos à volta. Nos dias úteis, o espaço, situado entre o Mercado da Mina e o lago do Parque Central, está mais calmo. No fim de semana, enche-se.
“Somos todos reformados e passamos grande parte do dia aqui. Quando trabalhávamos, víamos que estávamos ocupados. Agora, esta é a maneira de desafiar o tempo e de enganar a morte”, diz António, enquanto lança um ás na mesa, proferindo a expressão típica dos jogadores de cartas: “Tomaaaa, vê lá o que fazes com isso”.
“Tens muita sorte, saíram-te os ases todos”, observa Abílio, enquanto Caetano sugere: “Ou então foi ele que baralhou o jogo”. Risos.
O ambiente pode parecer tenso, mas é apenas aparência. “Aqui somos todos amigos, conhecemo-nos há muito tempo. É o nosso passatempo. Como é a vida nesta fase? É estar aqui a ver o tempo passar. Muitos amigos já partiram. Outras pessoas já morreram. Esta é uma fase complicada, a saúde não ajuda e, como reformados, morremos lentamente”, lamenta António.
Batota, garantem, está fora de questão. “Eu não sou batoteiro”, diz Abílio, tentando, de maneira deliberada, espreitar o jogo do vizinho à sua esquerda.
“E não se bebe nada?”, pergunta a New in Amadora. “Nada, aquele companheiro ficou de ir ao supermercado comprar cerveja e vinho e nada. Falam, falam, mas eu não os vejo a fazer nada”, brinca Cândido, citando ironicamente o Gato Fedorento.
No sábado à tarde que passamos na partida, só encontramos homens. “E as mulheres, não entram no jogo?”, perguntamos. “Elas ficam em casa”, responde um dos reformados.
“Quando não estamos aqui, estamos em casa. A descansar ou a ajudar a mulher. Algumas dão muito trabalho”, assegura Mário. “Ui, a minha é tramada”, confessa, utilizando um verbo respeitável. “Nunca trabalhei tanto na vida como quando estou em casa”, ri.
“Hoje é o Barbosa que paga a rodada”, comenta Nélson. “Ele? Está mais teso que um carapau. Não, ele prometeu. E é homem para cumprir os seus compromissos”, provoca um amigo da Amadora.
Abílio, o mais velho do grupo. “Mas é o mais atrevido”, diz Cândido, provocando gargalhadas. O octogenário não se intimida. “Sou o mais atrevido, sim, mas vocês têm é inveja. Aqui tudo funciona, mesmo com esta idade. Do alto da cabeça à ponta dos pés, tudo funciona. Viver depois dos 70 é complicado, especialmente porque o país não está preparado para os mais velhos. Vejo muita má-criação por parte dos jovens”, lamenta.
Abílio, Mário, Cândido, Caetano e Nélson são pessoas, mas também números. Este quinteto de seniores com quem a New in Amadora passou parte da tarde a jogar às cartas representa 23% da população do concelho com mais de 65 anos, uma tendência crescente, assim como a média etária do país.
No final de 2024, segundo a Pordata, a população residente no município da Amadora deverá ser de 181.607 pessoas, com 22,9% pertencendo ao grupo etário acima de 65 anos.
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