Amadora

Aos 96 anos, José trocou o cante alentejano pelos poemas sobre seu Alentejo

José Joaquim Figueira Rosa, um típico alentejano, é um exímio conversador. Apesar da idade, sua memória se mantém afiada, mesmo que a surdez o faça pedir para que repitam: “Tem de repetir, que eu já estou um pouco surdo”, diz, divertido. Com 96 anos, nasceu em Aljustrel, no Alentejo, mas sente-se mais da Amadora do que da sua terra natal: “Então, não se percebe pelo meu sotaque?”, ironiza.

“Vivo na Amadora desde 1971. Quando foi o 25 de Abril, eu já morava cá”, comenta à New in Amadora, acrescentando que possui uma “casinha própria” na avenida do Brasil, na Falagueira.

Sentado à nossa frente, vestido de preto e com óculos, ele compartilha histórias de uma vida repleta de memórias. “Claro que é uma vida cheia. Alguns morreram logo ao nascer, eu ainda estou aqui com esta idade. Acho que tenho de me dar por satisfeito”, afirma José Joaquim, o único dos quatro irmãos que ainda está vivo.

Há 14 anos perdeu sua esposa. “Sou viúvo desde então. Não quis refazer a minha vida. Estou bem como estou, tenho os meus amigos e uma filha que me adora, que mora em Sintra e trabalha na câmara”.

A filha lhe deu um neto, “que mora na Buraca, é casado e já tem uma menina de 4 anos”, conta, com os olhos brilhando. “É uma loucura. A minha e a dos pais. Não para quieta, sempre a fazer travessuras. Também é a idade dela”, complementa.

José Joaquim trouxe uma fotocópia colorida do grupo coral Alentejo Residentes na Amadora para a nossa conversa. “Este era meu irmão, já faleceu”, aponta. “Este sou eu, e ali está meu outro irmão que também já partiu”, diz, encolhendo os ombros e soltando um “é a vida”.

Ele sempre gostou de cantar. “Gostava, mas agora não canto mais. Já não tenho voz nem memória”, avisa. Quando o desafiamos a cantar uma modinha alentejana, ele apenas sorri e diz: “Já não canto nada. Nem me lembro das músicas”, esperando que acreditemos em suas palavras.

Após tantos anos cantando e tantas músicas, ele revela que “varreu-se tudo da memória”. Foi um dos fundadores do grupo coral alentejano em 1971. “Imagina quantas canções cantei”, diz.

Desde jovem, ainda de calções, começou a cantar, em um ano que já não lembra. “Quando morava no Alentejo, cantava em um grupo coral da Casa do Povo de São João de Negrilhos, onde fiz muitos amigos”.

Embora a música sempre tenha sido um passatempo, profissionalmente, José Joaquim trabalhou por mais de 30 anos na fábrica de bolachas Riviera, na Amadora. “Fazia as bolachas, as baunilhas, e ainda recolhia as bolachas Maria, Torrada e Água e Sal. Trabalhava em uma máquina de fazer bolachas”, detalha.

Ficou guloso?, perguntamos. Com um ar sério, como se fosse um crime, ele diz “não, nem lhes tocava”. “Melhor”, contrapomos. “Assim não ficou diabético”. José sorri ao ouvir isso. “Por acaso, sou um pouquinho, mas não é nada demais”.

Começou a trabalhar cedo, ainda no Alentejo. “Tinha 11, 12 ou 13 anos, ia para a ceifa, tinha de ser”. Era preciso ajudar a colocar comida na mesa. “Alguma vez faltou comida?”, perguntamos. “Era assim-assim. Eram tempos difíceis no Alentejo. Quem sofreu com o salazarismo apanhou muito da PIDE. Eu não, mas meu pai já levou”, descreve.

Mesmo assim, sente saudades do Alentejo, onde gostaria de ser sepultado. “Quando vou lá, aproveito para visitar o cemitério onde está meu pai. Minha filha nasceu aqui, mas gosta de ir lá ver a campa dos avós. Vamos todos os anos pelos Finados. Mas já não conheço quase ninguém”.

Ainda assim, afirma que gosta de viver na Amadora. “Venho todos os dias ao Café Brasil, que fica em frente à minha casa, para tomar um café. Todos me tratam bem. E a Rosy até me chama de tio”, brinca.

A proprietária brasileira do café entra na conversa. “Não quer cantar uma modinha, tio?”, pergunta carinhosamente. “Já disse que não sei, já não me lembro. Mas ainda sou capaz de escrever um poema”, responde.

Rosy vai até o balcão, traz um papel em branco e um lápis. José senta-se à mesa ao lado da nossa e começa a rabiscar linhas. Cinco minutos depois, nos oferece uma quadra inspirada em “Fialho de Almeida, um poeta alentejano”.

“É para os seus leitores”, diz.

Carregue na galeria e veja a quadra e José Joaquim em ação.

Pat Pereira

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